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O mistério da múmia

Nem toda a ciência é igualmente ‘científica’

por
traduzido por Luis Jervell

Wikipedia.org9338Pharaoh-Tutankhamun
Faraó Tutankhamon

Os cientistas têm debatido muito a causa da morte do famoso faraó egípcio, Tutankhamon.1 Durante muitos anos, as pessoas acreditavam que o menino-rei tinha morrido de uma hemorragia, na sequência de uma pancada na cabeça. Havia até quem especulasse que tinha sido assassinado.

No entanto, após a realização de exames abrangentes por tomografia computadorizada em 2005, uma série de peritos, incluindo Frank Rhüli da Universidade de Zurique, concluíram que não tinha havido nenhuma pancada na cabeça. Em vez disso, foi sugerido que o jovem faraó sofrera uma fratura composta do osso da coxa esquerda, que possivelmente conduziu a uma hemorragia ou infeção fatal. Houve quem fosse mais dogmático, como os peritos do documentário do National Geographic, King Tut’s Final Secrets [Segredos Finais do Rei Tut]. As provas eram inequívocas, disseram eles; Tutankhamon morreu sem dúvida de complicações depois de ter partido uma perna.

Uma outra equipa de peritos, no documentário do Canal Discovery, King Tut Unwrapped [Rei Tut Desembrulhado], chegou a uma conclusão diferente. O faraó era um jovem deformado e adoentado que morreu de malária, afirmaram eles. As tomografias computadorizadas, segundo alegaram, mostraram que ele tinha ossos doentes, um pé boto e uma fenda palatina. Além disso, disse-se que as amostras de ADN tinham dado resultados positivos para a malária e que tinham sido encontradas manchas na pele que podiam ter sido mordidelas de mosquitos.

No entanto, noutra reviravolta, James Gamble, cirurgião ortopédico da Universidade de Stanford, deitou água fria na teoria das deformidades, dizendo que estas podiam ter sido causadas pelo processo de mumificação. Dois peritos do Instituto Bernhard de Medicina Tropical de Hamburgo mostraram-se também céticos em relação à teoria da malária, alegando que um egípcio da idade de Tutankhamon estaria provavelmente imune a essa doença.2 Outros peritos deram também a sua opinião em relação aos resultados dos testes de ADN, afirmando que, no ambiente quente do túmulo, o ADN se teria degradado ao fim de alguns séculos e que os dados recolhidos podem ter sido resultado de contaminação.

Bob Connolly, professor associado de antropologia física da Universidade de Liverpool, está igualmente cético em relação à teoria do fraquinho/malária. Uma explicação mais provável, acredita ele, é que Tutankhamon tenha morrido de uma queda da sua carruagem. De acordo com Connolly, a sua cavidade torácica estava metida para dentro e apresentava costelas partidas, o que é consistente com o ter sofrido um acidente desse tipo. Raymond Johnson da Universidade de Chicago também vê o Tutankhamon como um jovem muito ativo. Esculturas do templo de Luxor, afirma ele, mostram-no claramente envolvido em campanhas militares, e as armas, carruagens e armaduras encontrados no seu túmulo revelam sinais claros de terem sido utilizados. Frank Rhüli, porém, indica que um acidente fatal teria danificado outras partes do esqueleto, como a espinha dorsal e os braços.3

Todos estes “peritos” não podem estar certos

Todos estes peritos tiveram acesso aos mesmos dados — mas chegaram a conclusões muito diferentes. Isso é porque os dados não falam por si próprios, mas tiveram de ser interpretados. Embora os procedimentos para análise dos dados fossem objetivos (tomografias computadorizadas, testes de ADN, etc.), as conclusões retiradas foram claramente subjetivas. É evidente que o mesmo se aplica às nossas tentativas de reconstrução da história da terra e da sua vida vegetal e animal. Os evolucionistas e os criacionistas bíblicos têm os mesmos dados, mas vêem-nos de maneiras muito diferentes. Para o evolucionista, a sequência encontrada no registo fóssil conta a história da evolução da vida, dos micróbios ao homem; mas para o criacionista conta a história do enterro progressivo dos organismos marinhos e terrestres durante o Dilúvio do Génesis. Para o evolucionista, o código de ADN é idêntico em praticamente todos os organismos porque eles descendem de um antepassado comum, mas para o criacionista, é porque o Criador queria mostrar que a vida só teve um projetista. A datação radioativa das mesmas amostras pode dar “idades” radicalmente diferentes, que variam, por exemplo, entre 1,5 mil milhões e cerca de 6000 anos. Para o evolucionista, o resultado de 1,5 mil milhões de anos está provavelmente certo, porque o processo evolutivo requer muitos milhões de anos para transformar micróbios no homem; para o criacionista, o resultado dos 6000 anos está provavelmente certo, porque a Bíblia ensina que a Terra é jovem. Em cada caso, a conclusão tem muito mais a ver com a lupa (ou visão do mundo) através da qual os dados são vistos do que com os próprios dados.

Ciência e ciência: Nem toda a ciência é igualmente “científica”

As dificuldades em explicar o que aconteceu a Tutankhamon podem ajudar-nos a compreender a diferença entre ciência operacional (ou experimental) e ciência histórica (ou forense). A ciência operacional diz essencialmente respeito ao conhecimento do modo como o mundo funciona e obtém-se por observação no presente. São propostas hipóteses para explicar dados que são depois testadas, muitas vezes num laboratório. Só as hipóteses que mostram corresponder aos dados quando rigorosamente testadas, repetidamente, são consideradas científicas. Não se considera que uma hipótese faz parte da ciência por ser proposta por um cientista, ou porque é debatida por professores num documentário televisivo, ou porque diz respeito a observações feitas utilizando equipamento de alta tecnologia. Uma hipótese passa a fazer parte do conhecimento científico dominante porque falharam as tentativas repetidas para a refutar, pelo que é aceite considerando que não subsistem dúvidas razoáveis (embora experiências futuras possam refutá-la).

A ciência histórica (ou forense) é muito diferente. As crenças sobre o modo como a Terra se formou ou como a vida começou não podem ser testadas num laboratório. Este tipo de “ciência” é muito mais semelhante à praticada por um detetive que recolhe pistas para resolver um crime — embora seja muito mais difícil do que isso. O detetive lida com acontecimentos ocorridos recentemente e muitas vezes conta com a ajuda de testemunhas oculares; não existem testemunhas oculares humanas para testemunhar os acontecimentos que rodeiam a origem da terra e dos seus animais e plantas. Os cientistas têm grande dificuldade em fazer declarações fiáveis sobre os restos mortais de um faraó egípcio que viveu há uns milhares de anos — muito embora tenham sido feitos esforços consideráveis para preservar o corpo. Mas então como é que podem fazer declarações dogmáticas sobre acontecimentos que, segundo eles, ocorreram há milhões de anos?

O teorema de Pitágoras para calcular as dimensões de triângulos retângulos é ensinado nas escolas há muitos anos. Do mesmo modo, a lei de Boyle que descreve o comportamento dos gases é a mesma de quando ele a enunciou pela primeira vez, o mesmo se passando com as leis do movimento de Newton. Não mudaram — porque estavam corretas ou precisaram apenas de qualificação quando foram originalmente formuladas.4 Essa é uma das características da ciência operacional, o tipo de ciência que emprega uma metodologia científica rigorosa e se baseia não nas opiniões subjetivas de peritos, mas em experiências repetíveis. Este tipo de ciência é muito poderoso e levou a grandes avanços ao nível do conhecimento e da tecnologia — computadores, vaivéns espaciais, tratamentos médicos avançados e muito mais. Quando as teorias mudam significativamente de uma década para outra, tal indica que nunca se basearam nesse tipo de ciência ou nesse tipo de método científico em primeiro lugar.

Segundo observou o Professor Derek Ager, geólogo,

“Deve ser significativo que quase todas as histórias evolutivas que aprendi como estudante… foram ‘desmascaradas’.”5

Do mesmo modo, o Professor William Provine, biólogo, escreveu,

“A maior parte do que aprendi da área [da biologia evolutiva] na faculdade (1964–68) está errado ou foi significativamente alterado.”6

Quando o público em geral ouve um cientista afirmar o que a “ciência diz” sobre a evolução, a tendência é atribuírem o prestígio e a certeza que estão corretamente associados à ciência operacional àquilo que são efetivamente especulações subjetivas. Demasiadas vezes não compreendem que os relatos evolutivos da vida se baseiam num tipo de ciência diferente — razão pela qual eles, tal como as teorias sobre a morte do Tutankhamon, estão constantemente a mudar.

©iStockphoto.com/USO9338-hippo

Tut morto por um hipopótamo?

Quando o nosso artigo principal estava quase a ser publicado, apareceu um artigo na revista Ancient Egypt que levantou mais uma possibilidade quanto à forma como morreu Tutankhamon.1 Foi escrito por W. Benson Harer Jr., professor de medicina reformado, que também tem publicado muito na literatura sobre egiptologia.

Segundo ele, diversas provas indicam que o tórax do menino-rei foi danificado por uma dentada de hipopótamo, enquanto o faraó caçava aves selvagens nas zonas pantanosas. Embora vegetarianos, os hipopótamos são terrivelmente territoriais e são conhecidos por atacarem e virarem barcos e ferirem os ocupantes. Mesmo hoje, morrem mais pessoas em ataques de hipopótamos do que de qualquer outro animal.

  1. W. Benson Harer Jr., Was Tutankhamun killed by a hippo? Ancient Egypt, Junho/Julho 2012, pp. 51–54.

Referências e notas

  1. Ver, por exemplo, Jo Marchant, Death on the Nile, New Scientist, 15 de janeiro de 2011, pp. 42–45. Voltar ao texto.
  2. Em zonas onde a malária é endémica como no antigo Egito, a doença tende a matar as pessoas suscetíveis antes de chegarem à adolescência. Curiosamente, alguns peritos dizem que os ossos doentes do Rei Tut eram típicos da anemia de células falciformes; uma única cópia do gene mutante da mesma confere imunidade acrescida à malária (ver creation.com/sickle). Voltar ao texto.
  3. Além disso, conforme indicado pelo egiptólogo Patrick Clarke (numa comunicação pessoal), embora algumas esculturas mostrem um fragmento de uma cena de batalha, não existe texto a indicar os fundamentais “quem, o quê, quando e onde?” que são necessários para associar a proveniência a esses blocos. Voltar ao texto.
  4. As leis de Newton, por exemplo, funcionam bem às escalas e velocidades da vida quotidiana. Voltar ao texto.
  5. Derek V. Ager, The Nature of the Fossil Record, Proceedings of the Geologists’ Association 87(2):131–160, 1976. Voltar ao texto.
  6. William B. Provine, A Review of Teaching about Evolution and the Nature of Science, National Academy of Sciences, 18 de fevereiro de 1999, web.archive.org/web/20040709130607/fp.bio.utk.edu/darwin/NAS_guidebook/provine_1.html, acedido pela última vez em 26 de fevereiro de 2011. Voltar ao texto.